quinta-feira, 3 de setembro de 2009

IGUAIS




Essa estória aconteceu no tempo em que ele era apenas um garotão, cheio de sonhos, planos, decisões, um mundo a conquistar, fazendo o quinto período da faculdade de administração, à noite, trabalhando durante o dia numa multinacional como auxiliar administrativo, e não tinha tempo de encontrar ninguém para ter um relacionamento, vivia de casa para o trabalho, a faculdade de volta à casa, estudava em todo o momento livre, queria progredir, subir na vida, ser alguém, tudo o que ganhava, economizava.
Para voltar para casa, depois das aulas, tomava um ônibus. Vinte e duas e quarenta e cinco. O estômago, roído, ruindo, ruinado, roncando, reclamando. Dois estudantes mais no ponto. Veio o ônibus. Subiu, pagou ao trocador, só um banco vago. Nele, um cara, inacreditável, a mesma cara. Era ele sentado ali. Igual a ele. Um sósia. Um outro ele, como ele mesmo nunca tinha se visto.
Recostada a cabeça, no encosto do banco, de olhos fechados, segurando uma mochila no colo, dormitava.
Quando sentou, o outro se movimentou, encolheu, ajeitando-se no banco, deixando livre o espaço, que a ele cabia.
Ao acomodar-se, uma forte corrente elétrica percorreu os corpos. Colaram, como siameses. Quem olhasse de frente, diria: gêmeos, idênticos. Mas não eram, não se conheciam, nunca se tinham visto.
Surpreendido, o outro, despertado, pondo-se em atenção, virou o rosto olhando-o nos olhos, como no espelho, a imagem que viram era a de todo dia ao escovar os dentes, pentear o cabelo, fazer a barba, a cor, a forma do rosto a mesma fôrma, sem tirar nem pôr.
Quem é você? Perguntaram-se sem perguntar. Sem poder responder.
Voltaram a olhar para a frente, encabulados, surpreendidos, aturdidos, atônitos, incrédulos, do que os sentidos tinham visto, vistoriando pôr dentro dos olhos fechados, a surpresa de se enxergar sentado ao lado no banco do coletivo.
Sem coragem de voltar a encarar cara a cara, ficaram calados, colados, grudados lado a lado. Mas o corpo, reagindo, sentido a inevitabilidade do encontro, se encontrava, com faíscas de eletricidade estática, ondas de calor, indo e voltando de um para outro, não os deixando negar que a perturbadora proximidade os fazia vibrar em uníssono, deixando-os submissos aos sentidos.
As narinas dilatadas, como animais em estado de alerta, o pelo eriçado, pressentindo o perigo, farejando um ao outro, medindo intenções, avaliando, considerando movimentos, prontos ao ataque.
Sem se dar conta, contato, um toque, tato, mão na mão, um esbarrão. Uma forte ereção. Situação inusitada, nunca antecipada, jamais imaginada. Outra olhada, encabulada, encantada. Que fazer na situação, a ereção, a atração? Se ver no outro, sentir-se fundindo-se ao outro, por todos os poros, as moléculas girando em ondas, de infinitas idas e voltas, vórtices de energia tornando-os um só, sentados lado a lado no banco do veículo em movimento. Qual o segmento, próximo o momento de descer? Quem daria o lance, lançaria o laço, o seguinte lógico passo, para que permanecessem ligados? Levantando um braço, acionou o sinal sonoro, com o outro, tocando o seu outro, que, tocado, imediato, o seguiu. O ônibus parou no ponto, abriu a porta, desceram para a calçada.
Frente a frente, olhando olho no olho, apertaram as mãos apresentando-se, apreciando o que viam, além da imagem e semelhança, a bem aventurança do encontro.
Já íntimos, sem constrangimentos, sem palavras, seguiram pela calçada, conhecidos de infância, amigos de outras eras, em direção ao prédio de apartamentos, onde morava; namoravam.
Dentro do elevador, se aproximaram, perigosamente, a beira de um abismo, olhando para o fundo, um do outro, sabendo do iminente, imanente, salto sem volta, sem pára-quedas, da queda infinita a um mundo desconhecido, inevitável, imponderável, ímpar.
As bocas abertas, numa tentativa de sugar o ar que faltava, dado o inusitado da situação, do coração em descompassada disparada, não estavam preparadas para o beijo que se seguiu, a vertigem do vazio, preenchido pelas línguas que, procurando sustento, sustância, no que faltava de entendimento verbal, buscavam, na saliva do outro, justificativas justas.
O elevador parou, apartando o par, abriu a porta, a luz acendeu, expondo o corredor vazio.
Flutuando, sentindo-se sem chão, retirando a chave do bolso, abriu a porta do quarto e sala, entraram, fechando-a atrás, deixaram fora o que foram, tinham sido, e nunca mais voltariam a ser.
Sem perder tempo, desvencilharam-se das mochilas, um retirando do outro, todas as capas, as cascas, as máscaras com que se vestiram até aquele momento, até que estivessem nus, em pelo, em pele exposta, posta a prova para a apreciação, aprovação, para provar com o tato, com a língua, com os olhos, os ouvidos, as narinas, no outro, aquilo que no corpo de cada um é motivo de orgulho, de satisfação de prazer.
E mergulharam no universo senso, sensorial, sem siso, sem tino, meninos sem malícias, multiplicando carícias, como nunca tinham feito, provocando respostas insuspeitadas, de um mundo nunca visitado, inaugurando, incitando, prenunciando incerto futuro.
Não houve castidade, os castelos ruíram, as fortificações desabaram na catarse de braços, pernas, cabeça, tronco e membros, envolvidos, revolvidos, revirados ao avesso, de revés, de quina, de quatro, catapultados a uma categoria caótica, onde dois noviços descobrem serem cátedras, categóricos, daquilo que sempre quiseram sentir.
Vertendo líquidos por todos os poros, lambuzaram-se, lamberam-se, beberam-se, famintos de uma sede desconhecida, legítima lembrança nevoenta, avoenta, de um tempo perdido, metamorfoseando-se, neutralizando-se, anulando-se, convertendo-se, consagrando-se progenitores da raça de dois novos seres, outros, eles mesmos, íntegros, inteiros, verdadeiros.
Exauridos, extenuados, exultantes, em êxtase, ...eza., tombados, adormeceram abraçados.






Nenhum comentário:

Postar um comentário