domingo, 28 de junho de 2009

AMOR E MORTE



O desejo do Universo visando à comunhão conduz a
Diversos tipos de sacrifícios - desejados e
Indesejados – inclusive os atos de comer e ser
Comido. Afinal, amor e morte demonstram ser forças
Muito mais entrelaçadas que a nossa cultura
Gosta de reconhecer. A recusa da morte divide a
Psique moderna. A simples presença cura a divisão
Entre amor e morte e proporciona um refúgio de paz
Criativa. O estabelecimento de laços profundos com
Outra pessoa invoca a morte quem pensávamos
Ser e o nascimento de algo novo.


Quero-te acrescido ao meu corpo
Unido como uma extensão.
Quero-te entregue a mim como um bebê, meu primo,
Agarrado, sugando no meu peito –
Tu alargas o meu campo de abundância.
Se deparasse contigo lá fora – se nos encontrássemos num
Campo -, eu transbordaria,
Eu te daria algo de beber.
Eu te abraçaria e absorveria completamente.
Ninguém ficaria acima de mim
E ninguém me menosprezaria.
Eu te conduziria e te introduziria,
Te levaria e faria entrar.
Eu me apossaria da tua vontade
E te traria gradual, progressivamente
Mais dentro ainda -
Na mansão interior de
Todas as minhas mães e avós,
No lugar onde todos os partos acontecem.
Eu transbordaria para ti em
Abundante vinho aromático,
A essência perfumada do meu espírito,
O rarefeito licor da minha intoxicação.
Eu te possuiria com vastidão,
A umidade liqüefeita das minha romãs,
O suco daqueles botões ali dentro,
Crescentes, expansivos, efervescentes.
O norte estaria debaixo da minha melhor parte;
O sul ficaria afastado,
Abraçado e esvaziado em mim:
A esquerda se submete a mim, a direita me abre de repente.
Quero sentir o caos debaixo de mim,
A prosperidade a me apertar, eternizada ali dentro.
...............
O amor que se expande e espalha
Gradual, misteriosamente, de algum lugar secreto,
Que procura dar antes de possuir
Não haverá de ser excitado de repente, sem estar ciente.
Não será aceso sem luz,
Incitado sem ter clara visão ou
Deixado nu e inflamado causando
Uma completa perda de inteligência.
Não, a não ser que as profundezas da sua base
Estejam solidamente deitadas,
Até que ele ache prazer em
Ceder e submeter-se aos desejos do amado.
...............
Tradução ampliada do Cântico dos Cânticos, 8:1 – 5


Trecho de INCONFIDÊNCIAS



Dentro da barraca, deitados lado a lado, Júlio e Rodrigo, ouvindo ainda disparados nos tímpanos os baqueados alterados dos corações bombeando o sangue e o resfolegar do ar entrando apressado pulmão a dentro, preenchendo desvairado, o que a pouco, exaltado, foi fúria, ânsia, desejo, ensejo de completar no outro o que em si sobra, tratado ao entregar em carinho um caminho que o outro alcance, lançando linhas de conduta, mesmo força bruta, coisa de homens, coisas da fome de entendimento, momentos em que perdida a cabeça, só o corpo alude, lúdico age, interage em complemento, dá alento, vai além, invade, investe, irrompe sem espera, impera, ordena, obedece, cede, sedentos bebem-se salivas, selam acordos, encordoam-se, encontrados livram limites, alargam horizontes, transpõem pontes, amontoam-se, desmontam-se, montam-se, remontam-se, mostram trilhas, tramam, tremem, tomam para si, silábicos predicados perdem precedentes, preceitos, preconceitos, avançam avassaladores lançando ao mundo o brado de independência, anuência à vida, vazados, extravasados, vogam amainados, remidos no remanso de depois do amor, largados, preguicentos, sentindo-se amados se soltam, entregues, estreitos, ligados, indeléveis, quase a nocaute, noa, navegam nuvens, vagueiam nus as almas ajustadas, emparelhadas, casadas, causa e efeito de estarem juntos, completados, silenciados se escutam, se entendem, se estendem, expandem o universo, invadem a via láctea, alcançam a beira e se lançam sem peias, porque, de mãos dadas, se sentem seguros, amparados, protegidos, privilegiados pôr estarem em acordo, despertos, parte da plenitude, sem que hajam vazas ou interstícios, interlúdio intransitivo, íntimo, introspectivo, reflexivo ao outro, não precisam de palavras que expliquem, implícitos professam progenitura possível para pró-homens, de um progresso projetado para um futuro próximo, de convivência pacífica, respeitadas as diferenças, as opções, razões de viver de acordo com sua consciência, inerentes só a si e, pôr isso mesmo, passíveis de exalarem versos de amor pôr onde passam, exaltando o belo, provando que é possível pelo exemplo, apenas sendo, sem sobras, sem sombras, ombro a ombro ladeados, igualados, irmanados numa mesma jornada, puxando pela mão outros, que porventura se atrasem, desviados nos descaminhos, validando valores, para que exaltados, exerçam plenos, direitos e deveres, ajudando a enriquecer os planos divinos, bebendo o vinho da comunhão e comendo o pão do sacrifício numa celebração benta com a sublime vida plena.

Trecho do romance Inconfidências de Zeka Viola

segunda-feira, 22 de junho de 2009

LEVE



Ele chegou leve como uma brisa de fim de tarde ardia um verão varão veio logo mostrando os atributos falando da tribo tratando de entronar na casa casando a falta de jeito com os assentos almofadados fadado a ser o que diz que é me ferra ao apontar um ferrado falo falando me chupa que a chapa tá quente como quem diz que sede me cede um copo d’água dando água na boca de tão gostoso gosta de andar nu navega a barlavento pelo apartamento com o corpo movido a barraventos vai derrubando as palmeiras da varanda varando o quarto entrando sem pedir licença nem tomar a bença criando desavença com o gato Angorá senhor do seu castelo o Costelo estirado na cama ronrona carícias se dizendo meu dono rei no seu trono me traz um agrado um bombocado desbocado desanda a falar palavrão na hora do vamovê move céus e terra abre as pernas penetra sem dó nem piedade comum a idade dá de dez a zero e nem leva em conta os berros de assim não que dói machuca chupa morde lambe assopra assa o peixe pede sopa se serve de todos os talheres bem talhado enche as colheres de olhares enviesados para o guisado bisando o mambo mastigando o jambo arrocha o chamego de vem cá meu nego paga pra vê se não dou outra traz truques na manga manja de malabares manuseia seus dotes de rapazote faz ares de quem viajou mares de abandono quase cão sem dono demora a cair no sono pede colo calor do ninho faz carinho se diz sozinho quer casar e azar de quem não acredita porque parece um bruto mas é um bruta monte de amor morre de medo de passar fome nem tem nome é uma mistura de cruz credo com arremedo de arroto e irrompeu nele


garoto roto mas caprichado pôr natureza uma beleza quase uma pintura barroca ronca um pouco diz que pôr um triz não foi a bancarrota nas barrancas dos rios da vida maldita que aprendeu a viver vazando ileso apesar de indefeso das ofensas que ouviu da puta que o pariu de onde partiu rindo pro mundo que se abriu em leque ainda moleque criado na rua rasgou todas as bandeiras beirou vários precipícios voltou aos inícios ao ser iniciado nas artes do amor ficou marrento faz como ninguém dá o alento que convém ao parceiro certeiro não só sua seta acerta o alvo mas alvo de alma inteiro se entrega me estragando pra sempre entrando em cheio no meu coração vago como vaga em quarto de pensão acostumado ao entra e sai pouco sai e pensa bem onde por a mão macia cheia de pureza ímpar parte de um corpo que age de acordo com a consciência que sabe a ciência de tudo que faz me fazendo acreditar em milagres esquecer dos vinagres vertidos dos relacionamentos anteriormente investidos vestido de menino é um homem como poucos um pouco infantil mas é justamente o que lhe aumenta o charme me chama amor me come com os olhos me lambuza de chocolate e depois late imitando cachorro brabo bobo resmunga quando não é atendido mas me entende os desejos ditoso enseja que no meu riso rasgado responda pra ele com a alegria que ainda não teve tem mil idéias de como melhorar o mundo vai fundo em tudo que faz traz pra casa um monte de bobagens aragens de rua rasga o verbo verte lágrimas nas cenas piegas prega botões caídos das camisas sociais que uso pra trabalhar trata todos de modo igual mas nada se iguala a seu beijo que é quando sinto que ele não é deste mundo que tudo nele é nobre como um vinho muito antigo e que além de lindo ele é um deus, meu Deus!