segunda-feira, 17 de agosto de 2009

ENCONTRO




I Ato

Aquela hora da madrugada, quando os vampiros vagam soltos, voejando sem destino, em desatino e, é questão de instantes, antes que os primeiros raios de sol os torne pó, já que a sede, secado aos limites o sangue, vital às veias, só um ser, jovem, vibrante de pulsante e saudável energia, poderá aplacar, fome de criatura, residente a eras na escuridão do desamor, largado lá, ferido, por um frio e insensível franco atirador, tornando-o resistente, mas refratário a aproximação, servindo-se só do propósito a que se prestam, se prestassem, pagando em igual moeda o que o corpo alude, avalanche, amiúde, assim, feito lobo uiva, faminto de vida fresca, na madrugada gelada, varrendo ventos vazantes e, ao virar a vau na avenida, viu, de pronto, no ponto, fanicando, falena figura, farfalhando, assoprando as mãos, numa tentativa de aquecê-las, esquecida em si, resvalando de um pé ao outro, revelando um balé ralentado, tratando com a transfusão de dirimir a inversão térmica, traduzida aos intragáveis três graus centígrados.
Atento a qualquer nave, quase ave, quase na neve, aventados corredores congelantes, reino ruminante, razoável à rapina àquela hora, sorriu, quando, estancado veículo, aberto o vidro por dispositivo, seu tripulante, ativo, tramou como intróito:
- Quer uma carruagem, ou quem sabe um trago da minha beberagem?
Voragem visionária, sem trastejar, tratou de entrar no bólido ígneo, fumarento da flamejante travessia da estratosfera terrestre, sem travar nada, nem sequer esperar um segundo aceno.
Selada e lacrada a porta partiram e, o cálido interior acolheu-os. Estendendo a mão quente, ao contato da nua, crua , quase pedra, num augúrio, inquiriu:
- Chamas aqueçam teu nome. O que danças na rua, lanças para a lua?
- Tudo está refeito agora, o que será, seremos! Porque o frio insana. E, além do legítimo, partido de você, nada de mal serei, será íntimo, não é?
- É a mais pura vaidade, a vocação é fazer bem, mas espero resultantes; estamos acordados? Sei que nada é desgraça, quando se está na praça, diga o preço!
- Mereço saber que não preciso me desandar em descobrir qual a gravidade do efeito dispensado, adentrar em desatino num covil sem aludir ao destino. Eu realmente entrego minha viagem em direção a sua vivaz virtude. A partir deste lamento, não me faça sofrer revés, não te acusarei de aborrecimentos e nem o farei clamar intento, prometo.
- Louvo seu alento, mas não são, deveras, promessas sérias demais, derramadas para quem acabou de aportar?
- Atente ao meu parecer, porque se não for assim, perderei seu caminho, e nosso tempo, para mim é assim ou vaga, veja-me, sou de uma só lavra e, já tendo entronado outra vez, sonho em adentrar quem seja como eu sem estragar meu coração.
- Eu não prometo que esqueças o que bebeu, mas já que estamos nos sabendo, como a serpente o ovo, também quero compactuar com a idade, olhe para mim, note as marcas do vento no meu gosto e os sabores que a vida me cansou. Jurei que não mais lavaria a loucura, me atirando ao sério, mas a avenida é recheada de reviravoltas e na quina da retorta te topo, então deixe que eu lude a ida e tu a lida alude.
- Lancei a linha no lago, feito criança, mas se sei levar o brinquedo, o sério seria pescar desta beira, trocando, te dou a isca e você, feito peixe, engole, assim ficaremos fisgados e como num rio remansado, navegaremos ao calor.
- Seja para o que for, pode contar carneirinhos, serei pastor incondicional.
- Leal compartirei, já que o legado está legitimado, podemos lavrar nossa missiva, lançando-a ao infinito.
- Sem isso ou daquilo, só um prelúdio, um acerto de desvãos, cujas prerrogativas são mais rentes, sem pressa, presa, preme que chegues perto, quero ser seu valor.
- Vamos fazer melhor, que seja lírico, como já o sinto onírico.
- Convocação aceita, estamos quase varando.
Vazando velhos sinais, deixados para trás, quais nocivas novenas, avistam a altíssima torre, plantada em descampado, ornado de espécies esparsas, raras, e rarefeita iluminação, vacuado das vielas por vasto vazio, se abre à aproximação, a goela do subterrâneo.
Sucedâneo, digitalisada a senha, elevam-se, sem tangimentos fúteis, calam-se num enleio, resvalados no ensejo, sem mais vazas, que aquelas, as que seus corpos crentes urgem e, caminhos sinceros, incisam relevar.
Como numa bolha, solta no espaço, a vista, vagando no ar, abre-se inteira sobre as luzes, apagando-se no clarear do longínquo horizonte, mistura de céu e mar.
- Sem outra intenção, senão quebrar o gelo, ou puro apelo, posso te oferecer uma soda à moda, ou outra vertigem que nos esqueça do frio, das anteriores noites solteiras.
- Inteiras viagens, menos visagens, porque prefiro saber na saliva da língua a doçura das tuas lavas e o suor vertido sal no sexo que seremos, preenchendo os rios lavrados, para que sejam bordados por mim, tal rei de um reino urdido a lanço que, diferente dos carteados por fadas, lilázes para gente, será aparvoado por hóstias fantásticas e miraculosas, como todos deveriam, serenos.
- Ser preso da surpresa, sem haver pensado nisso vindo teso despencado desta ladeira, é a maneira que seguiremos, sem escolta, nem quebrarmos a verdade dita, atingindo ditosos os azuis dos dias bem aventurados a serem digredidos.
- Idos tempos tristes. Dispamos agora as vestes vestais, até que estejamos nus dos corpóreos véus, diante do vexame de sermos verdade, essência do que somos.
- Que então não hajam mais barreiras, sombras, manchas, do antes ou d’aprés midi, que impeçam de que sejamos ligeiros, diretos, leves, seres imaginosos, com o todo comungado.
- Amar na luz deste novo amanhecer, sei que é o que queremos, porisso compactuo com tamanha intimidade e calma, que saibamos, somente nós.
- Vamos vazar, sinta a tez.
Abraçados, enlevados, sentindo-se além dos laços do outro, lançam, para a vida, para o dia, por estarem acordados, ensejos de que o mundo todo desperte entre bocejos e beijos, com a mesma predisposição predita.
- Louvar gloriosa manhã raiada.
- Bendito o vento que vestimos anterior a estarmos conclusos para o encontro.
- Hosana dias que virão!

II Ato

Soado o intercomunicador, repetido, repartindo o desenrolar encantado, truncando a cena.
Acenado que era provérbio proveniente do próprio, zunindo de dentro da bolsa, próvido, replicou, alheiando presença.
- Não pense que, porque estou te escutando, vou volitar, por favor, esqueça que me pertenceu, se por acaso passar por mim na lua, finja que não me riu, não terei nenhum lazer em latir para você, acabou, você perdeu, eu te estranhei, atirei fora o número da tua fraca intenção e doei a venda da cegueira que te manteve, cão guia, atrelado a mim. Você agora é lêndea.
Prestidigitando o aparelho, prismando-o à parte, disse:
- Desentenda o que ouviu, decomponha só o vogar volante do meu coração corisco.
Arisco momentâneo, mas logo amansado por olhos amorosos, exibe sua juventude, justa, sem velos, a mente sã, talhada, trabalhada à ferros, expondo escultural máscula musculatura, construída, bem distribuída, de protuberâncias e reentrâncias exatas, proporcionalidades perfeitas, gestos concretos, viris, gentis, graves, de suave graça, perfeito vôo de garça, volta a pousar para repousar esgarçado no sofá, assistindo juntos, jactantes, o espectaculoso raiar do sábado, vindo em cores extravasado.

III Ato


Cravado o dia ao meio, banhados, descansados, descontraídos, saem para ceiar, conduzindo, muito a vontade, a fome da crua verdade.
Na Liberdade, linda beldade, vestida de vistoso quimono sedoso e rasgados olhos orientais, orienta-os a entrarem, excluídos os sapatos, reservados, separado-os dos demais, por corrediços painéis de papel de arroz e madeira.
Abandonados, esquecidos ao largo, largados por sobre almofadas, as pernas tramadas, cozidos no ato num fogareiro forte, comem-se sobremesa, exotisses, com pauzinhos, feito porcos, frangos, filés, pimentões, amendoins, molhando-se agridoces, bebendo-se saquê, sacanas, sagazes, pegando-se os pedaços, alcançado às bocas suculentos legumes, raízes resvaladas, revelados saboreiam-se, comprazem-se lhes escapando nacos, deleitam-se na inaptidão tratada a tais talheres, regalados rompem em risadas, saciados jazem lassos.

IV Ato

Vão visitar o vestiário e valorar vestes válidas à vida vindoura.
Leves como anjos, descidos recém a Terra, descobrindo os haveres, os prazeres de ser gente, misturam-se aos passantes, antes, roçando, livres, ao largo das convenções, das conveniências, administrando a sapiência dos que tem a consciência leviana e a gratidão, por aptidões adquiridas, no acúmulo das experiências, provenientes de existências anteriores, sem serem pedantes ou redundantes nos atos e palavras proferidas aos ouvidos, sem cuidado, dos desavisados incautos, autos de fé no porvir, atos sutis como plumas ao vento, de vaga lembrança, mas levados como fiança de que a aliança com o divino está presente e, só a passagem, mítica, dos seres, lhes diz que tudo vale, mesmo que cale pouco fundo, distraídos no conturbado mundo do dia a dia, fia tecido tênue entre o visível e o que não se sabe se existe, mas persiste nalgum canto da memória, fiapos da retórica sussurrada, levada para casa como jóia de inestimável valor, porque imperceptível, guardada num pedacinho, reservado somente para preciosidades, do peito dos humanos.

V Ato

Escorregam de volta à bolha, felizes como esperanças, vertendo crianças de todos os porões.
Tão perto sabem-se, que jubilam-se em compactuar.
Acendem velas, incensos, banham-se demoradamente, alimentam-se de leves iguarias, inebriados de licores tingem-se cores, envidados, internam-se num mundo senso, tocados das peles transformadas em sedas, pérolas, particulares especiarias, adamascados veludos, profundos oceanos de marinhos seres abissais singrando aquáticas maciez de escarpelar às unhas alturas aéreas distendendo asas dilatadas miríficas, meeiros de mesma miragem, voragem de internarem-se inteiramente orgânicos em mundos orgiáticos, profanos, proficientes de margens tangíveis apenas pela imaginação cambiante do volátil aprofundar vigoroso em mina minerval escorrendo lava vulcânica, orgástica urgência de eras de gestação no núcleo incandescente, indecentes, desejosos de dar ao outro o melhor, orgulhosos mergulham-se e emergem eminentes.
- Estou inteiro, mas partido o id, o self, posso perder o prumo, os sonhos se contemplam, revalidos.
- Tome minhas mãos e firme a vazante do instante, assim ele se eternizará no trono da revoada de riquezas revistas.
- Monarcas migratórias passeiam, hóspedes, pelos quadrantes dos nossos mapas astrológicos.
- Loucos hunos invadiram a lógica do céu dos crentes, sem misericórdia.
- Medra em mim milagre mirabolante, a ser compartido como o pão do sacrifício.
- Oréade bosqueia flores ordinárias, na opulência montanhosa do meu peito, para ofertar-te reverente.
- Gema essencial dos meus versos, âmago do mais puro, congela o fogo desta vela e desvela a rima.
- Encastoado em casulo encantado o reverso é versátil ao câmbio e se apronta nubente ao nirvana.
- Nuanças macias perpassam a nulidade dos sentidos, faleço.
- Legitimemos o chamado, adiantada hora, deixemos o limbo investir épico, durmamos.
- Amém, Amor, Amém!

Um comentário:

  1. como se saísse pra um café na esquina e derepente..encontro..lhe juro que neste momento nem sei mais que horas são..

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