sábado, 18 de julho de 2009

DOMINGO



Da varanda do loft no décimo andar, viu espraiada a movimentação do Domingo na areia, chamando, berrando sol, cerveja, mar, quem sabe o que mais, talvez seja o dia de encontrar um amor.
A paisagem estava ali há já imemoriais eras, mas era o primeiro assim com tudo em cima, por cima, zunindo no lugar, luzindo a novo, a ser inaugurado, apartamento, praia, ele, tudo tinindo, pronto, vida nova.
Vendo assim em ótica de ânimo disposto, ânima refeita de refregas passadas, lavadas no sal das vertidas lágrimas, labuta árdua esquecer e reerguer dos escombros os ombros sobrecarregados, levantar as vigas, os pilares do que agora está pronto para viver em plenitude, cheio de atitude, fechada a porta do apartamento e acionado o elevador se vê de corpo inteiro no espelho do hall, nada mal, pensa, 35, sarado, solteiro, os cabelos no lugar, os poucos pêlos pelo corpo, o protetor no bronzeado leve, a bermuda surf, a camiseta no tom, a sandália, todo bom, conclui.
A porta do elevador abriu, entrou, inspecionando no reflexo triplicado nas espelhadas paredes o cara refletido, parado na dele, se reconhece outro, ele mesmo renascido, revivido, revisto em primeira vez, estranho benvindo aos olhos que o vêem.
O elevador para, abre a porta, entra um garoto, prováveis 25, vestindo mesmo estilo, cumprimenta como conhecido.
- Você é o novo morador do prédio, diz afirmando, eu o vi algumas vezes durante as obras lá em cima. Fui algumas vezes lá, falei com os operários, conheço um pouco do seu apartamento, antes de ficar pronto. É um loft, né? Tenho curiosidade de vê-lo agora que está concluído. Eu me interesso pôr arquitetura, estou fazendo a faculdade. Eu sou Lauro, e vc?
- Dante. Sou advogado. Terei prazer em mostrar como ficou a reforma. Você vai a praia aqui em frente?
-Vou sim, fiquei de encontrar com uns amigos, mas podemos marcar pra quando você puder.

Diante de tanta cordialidade, não há aí nenhuma insinuação, só camaradagem, uma abordagem coloquial, um modo de passar o tempo durante a viagem, nem passa pelas idéias as idéias que o autor da história prepara para eles. Mas não vamos antecipar os lances, por mais que o leitor alcance e preveja o enredo, não subestime a capacidade que as pessoas tem de surpreender ou mesmo de serem surpreendidas pelo inusitado com que as nuanças se precipitam, se apresentam ou nos tentam quando menos se espera e nem se pensa nisto.

A claridade da calçada ofuscou a miragem que instantes antes deles se apossara, mesmo que nem tivessem em conta, estavam encantados. Tinham esta faculdade, a sensibilidade apurada.
Atravessaram as pistas lado a lado, pisaram na areia quente com o mesmo pé.
- Olhe lá meus amigos, venha que vou te apresentar a eles. Você joga futvolei?
Apresentados, todos bem apessoados, aficionados formam uma roda a trocarem passes, lançando a bola.
Bolados, os dois, bolem na imaginação, um do outro, imagens antes não pensadas, vindo avassaladas, sendo invadidos de uma forte atração exercendo seu poder, apoderada, sem ponderação nem meio termo, internada.
Mareados com a onda, se jogam no mar, atravessam ondas, ondeiam ares de que não se importam mas, uma porta se abrira, aportaram a beira de um precipício, o início vertiginoso de uma viagem sem volta.
Voltam a camaradagem, freqüentam uma roda de capoeira formada na areia, batendo palmas rodeiam-se, enredam-se, ensaiam passos da dança-luta, leveza de força bruta, magnetismo animal margeando os movimentos graciosos, olhos nos olhos, avanço e recuo, musculaturas túrgidas, lentos, rápidos, ríspidos, retaliação de parte a parte, avaliação, revelam-se mestres na arte, saltam, dão pernadas, rasteiras, se exibem, abrem a roda, rodam gingando, girando, bambeando, bambas cedem a vez a outros camaradas.
Sem mais noção de continuação, negando o inusitado agindo descontrolado, deslocados, voltam à água, mergulham, saem rebrilhados, luzidios, respingando ouro puro param ao sol, solícitos de pensamentos lícitos, válidos ao momento, vasculham o entorno, concordam com coco, bebem a água, se apresenta um oco, devolvem as cascas sem comer a polpa, em palpos, translúcidos se enxergam pelados, expostos, postos a nu aos olhos do outro, transitivos transitam, transladam olhando para os lados, ao longe, procuram situar o sentido, evitam o olhar, alheiam-se, ausentes dizem tchau, até mais, tocando as mãos, passa lá e, aos amigos, até mais, valeu o voleio!
De volta ao prédio, perdido dentro do elevador, sozinho, dando tratos à bola diante do ocorrido, Dante analisa, sem lhe acorrer socorro no que parece estar vindo em sua direção, uma aberração, uma ereção, um tesão na intenção do que parece ser errado, o lado obscuro, o que nunca tinha agido nele, nunca fora por ele, não sabia explicar o que não tinha aplicação prática, nem em sonhos se vira atraído ou atracado com outro macho e acho que este papo tem que se encerrar por aqui, e ponto.
De pronto o elevador de serviço pelo qual subira abriu a porta no seu andar, e nem bem ele começou a andar em direção a porta ouviu o interfone estridulado chamando. Abriu, entrou, fechou, atendeu. É Lauro, posso subir? Dormente, estremece, fremente permanece uma fração fora do ar, arfa, falta o ar, some o chão, só consegue sussurrar, sim.
Fibras afloradas olha à roda, roda ébrio pelo salão, sai bicando quinas, pesquisa gavetas a procura de achar algo, busca o quê possa estar fora do lugar, ter em que se segurar, atônito, em transe entre o que sabe e o que poderia ser que viesse acontecer, que pode ser só fantasia, ri sem saber de que, escolhe um cd entre tantos, a esmo, a música enche o ar, arde de uma febre desconhecida, sua, sai à varanda, vara com o olhar o mover na praia e tudo paira parado boiando em suspensão, súbita a campainha sibila, vai abrir em suspense, tenso, suspenso com as suspeitas e, seduzido não dá outra, atração e reação, mão na mão se puxam, ato contínuo, de cara atracam-se sem pejos num beijo de querer entrar casa a dentro, adentrando a vida, o corpo, a morada da alma, a imaginação nas línguas percorrendo os céus das bocas flutuando soltas num céu claro de horizontes longínquos e distantes do que tinham sido já não mais sabem o que eram, o que foram, reflexivos, deflexivos são agora o que deflora, deflagrados nas mãos do outro, músculos, másculos, ásperos, rudes arrancam bermudas e cuecas úmidas em arroubo, rentes peles com areia arranhando as línguas salgadas de mar e suor, selvagem voragem de querer se internar, alternando-se beijam lambendo roçando, descobrindo vertentes, várzeas, vasas, asas abertas para desbravar segredos revelados nos recuos arrepiados, nos gemidos incontidos, incontáveis toques refletidos, tal luta de titãs, tratando sem dó a vergonha de entregar ao outro o prazer que quer pra si, sendo o outro, se atrevendo em ser o macho, a fêmea, famintos, com a fome dos sem nome, os sem teto, tateando limam-se no limbo, levitados, enlevados, levados além do que sabem se chamam pra briga, abrigando amigos a desbragada tesão, resvalando nos escorregadios limites do conhecido, reconhecidos iguais dão-se pôr inteiro, se entregam, ganham-se, metem-se a dentro, mesmo que doa, doam-se de parte a parte, artes de mestres, artífices, arietes em riste, arteiros ardem num fogo que nunca experimentaram, apimentam o que tem domínio, demoram-se em momentos de experts, espertos apertam, apressam, premem, se presam caça e caçador se prezam, percutem, recuam, refutam, refregam, esfregam, esfolam, forçam, forcejam, resfolegam, rolam, enrolam-se, roncam, rompem-se amorais, imolam-se imorais, amorosos, demorados vazam, extravasados gozam em eco.

Escurecera, o dia virara noite, anoitecera, nem se deram conta do que sucedera, sucumbidos ficaram deitados, contando dedos, catalogando dados significativos, indicativos caminhos traçados com mágicas linhas sobre as peles, apelando para os trânsitos nos quais seus mapas astrológicos tropeça, o que se passou, perpassado e não há nada além dali, deles, neles, o mundo inteiro é agora ali, em seus corpos acalmados, acasalados, acastelados nos braços acamados sobre o macio tapete felpudo, mansas falas, as salas de suas mentes planando acima do bem e do mal, mal levando em consideração o fato de ser a primeira vez dos dois, se disseram, constrangidos ao ato de terem reagido ao impulso do pulso do momento imperioso, mas que orgulhosos, agora, sentem pleno entendimento e que tem conhecimento de ser aquilo mesmo que querem, que é o que sempre quiseram encontrar, mesmo sem saber de antemão e mesmo que vá na contramão da lógica vigente, sentem, sabem, isto é amor que, sem contrato, concordam, é pra ser levado de fato, adiante, a durar, a dois.

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